esperando 3
eu não gosto de Natal. na verdade, não é que eu não goste de Natal: não gosto de nenhum feriado, não gosto de ter um dia específico para uma coisa específica. dou de ombros para meu próprio aniversário, cumprimento os meus amigos aniversariantes mais por educação e pelo ato de se lembrar deles do que por qualquer outra coisa. e acabo visitando minha família em Deprelândia mais porque dizem por aí que não é legal passar esse período sozinho do que por qualquer outra coisa. não que eu não goste deles: eu amo minha família. mas essa coisa de ter obrigação de um período para visitá-los é algo desconfortável.
só que esse ano o Natal teve uma grande diferença: teve um negócio que me tirou um peso de cem mil libras das costas, e que eu espero, de alguma forma, que me dê forças daqui para frente. eu conheci o meu avô.
é, eu não conhecia meu avô. vinte e seis anos de idade, há quase três morando em Brasília, e eu não conhecia meu avô, o senhor João de Oliveira, que tem oitenta e dois. ele e minha avó se separaram há quase quarenta, e ele se mudou para a zona rural de Paraibuna, a cidade natal dos dois e do meu pai. como não tem telefone e gosta de ser uma pessoa livre, mora sozinho e tem lá sua rotina, poucas vezes quebrada.
todo ano eu passo o dia 25 de dezembro em Paraibuna, junto com meu pai, minha avó, meus tios e meus primos, para o ritual de lo habitual: almoço calórico, conversas do tipo "e aí, tá gostando de Brasília?", "é bom ser funcionário público, né? dá aquela estabilidade" e adjacentes. ao final do dia, toma-se sorvete, faz-se um amigo secreto e todos ficam sem se ver até o Natal do ano seguinte, salvo raras exceções. e todo dia 25/12 eu tentava encontrar meu avô, mas invariavelmente ele estava fora de casa.
insisti nisso muitos anos, não sei exatamente o porque. aliás, sei sim: vocês não acham errado ter um avô vivo, lúcido, e não o conhecer pessoalmente? pois é, eu também. até que descobri que todo ano, no dia 24, meu tio Valmir faz uma visita a ele e deixa uns presentes. e ele me chamou para ir junto nesse ano. peguei minhas irmãs, entrei no carro e dirigi cento e dez quilômetros entre Deprelândia e Paraibuna, só para ver se dessa vez conhecia meu avô.
tentei não criar uma expectativa sobre ele, mas, pelo que ouvia de relatos de todos, ele era uma pessoa difícil. ainda assim, e ainda que ele me odiasse de saída, eu tinha que tentar. no caminho, meu tio me falou que a casa dele era um desastre, uma bagunça que só, mas que ele era ótimo.
ao chegar lá, os dois portões abertos denunciavam: meu avô estava ali dentro. fomos entrando, Valmir à frente, que logo tratou de se anunciar. meu avô desceu, e meu tio foi logo explicando quem éramos nós. baixinho, sorridente e com olhos azuis bastante enrugados, ele nos abraçou e ficou surpreso de saber que todos éramos netos que ele não conhecia. começamos a conversar, ele nos falando de sua vida, do tempo em que trabalhou numa empresa de laticínios, fazendo de tudo um pouco "o que tivesse de serviço lá, a gente tinha que fazer", ele soube que me formei em Direito e que moro em Brasília (apesar de ele não ter telefone, dei-lhe um cartãozinho da Telerj), minhas irmãs conversando também, uma sessão de fotos com ele e com um balde de leite de 50 litros, que ele carregava várias vezes por dia enquanto trabalhava, essas coisas.
eu estava visivelmente emocionado, e quando ele falava, com seu sotaque português (o avô dele era açoriano, e o pai dele talvez seja – não sabemos ao certo, vou investigar isso), eu ficava com os olhos vermelhos. quem conhece este blógue sabe das minhas ligações com Portugal, só que eu não imaginava que tinha um avô com sotaque português (embora o acento caipira também se note). mais do que isso, meu avô, aos oitenta e dois anos de idade, está lúcido, com uma voz cristalina, e pedala dez quilômetros todos os dias, para ir e voltar do centro de Paraibuna.
ele foi bem carinhoso com a gente – pelo que sei, ele odeia crianças – e, homem livre que é, falou muito mal do casamento. que não compensava se casar, que era ruim pro homem e pra mulher, que não era pra que a gente se casasse nunca, que bom mesmo é curtir a vida sem constituir família. no final, dei um abraço e um beijo nele, e saímos, depois de meia hora de papo.
mas o que mais me marcou, nessa história, foi que, apesar de sermos duas gerações da mesma família, separadas por apenas uma, somos pessoas completamente diferentes, mas guardamos alguma coisa em comum: o gosto por trabalhar, o modo como lidamos com nós mesmos, o sotaque português.
esse mesmo sotaque que eu carrego em mim de outro jeito que não no modo de falar, mas que fica impossível explicar de qualquer forma.
só que esse ano o Natal teve uma grande diferença: teve um negócio que me tirou um peso de cem mil libras das costas, e que eu espero, de alguma forma, que me dê forças daqui para frente. eu conheci o meu avô.
é, eu não conhecia meu avô. vinte e seis anos de idade, há quase três morando em Brasília, e eu não conhecia meu avô, o senhor João de Oliveira, que tem oitenta e dois. ele e minha avó se separaram há quase quarenta, e ele se mudou para a zona rural de Paraibuna, a cidade natal dos dois e do meu pai. como não tem telefone e gosta de ser uma pessoa livre, mora sozinho e tem lá sua rotina, poucas vezes quebrada.
todo ano eu passo o dia 25 de dezembro em Paraibuna, junto com meu pai, minha avó, meus tios e meus primos, para o ritual de lo habitual: almoço calórico, conversas do tipo "e aí, tá gostando de Brasília?", "é bom ser funcionário público, né? dá aquela estabilidade" e adjacentes. ao final do dia, toma-se sorvete, faz-se um amigo secreto e todos ficam sem se ver até o Natal do ano seguinte, salvo raras exceções. e todo dia 25/12 eu tentava encontrar meu avô, mas invariavelmente ele estava fora de casa.
insisti nisso muitos anos, não sei exatamente o porque. aliás, sei sim: vocês não acham errado ter um avô vivo, lúcido, e não o conhecer pessoalmente? pois é, eu também. até que descobri que todo ano, no dia 24, meu tio Valmir faz uma visita a ele e deixa uns presentes. e ele me chamou para ir junto nesse ano. peguei minhas irmãs, entrei no carro e dirigi cento e dez quilômetros entre Deprelândia e Paraibuna, só para ver se dessa vez conhecia meu avô.
tentei não criar uma expectativa sobre ele, mas, pelo que ouvia de relatos de todos, ele era uma pessoa difícil. ainda assim, e ainda que ele me odiasse de saída, eu tinha que tentar. no caminho, meu tio me falou que a casa dele era um desastre, uma bagunça que só, mas que ele era ótimo.
ao chegar lá, os dois portões abertos denunciavam: meu avô estava ali dentro. fomos entrando, Valmir à frente, que logo tratou de se anunciar. meu avô desceu, e meu tio foi logo explicando quem éramos nós. baixinho, sorridente e com olhos azuis bastante enrugados, ele nos abraçou e ficou surpreso de saber que todos éramos netos que ele não conhecia. começamos a conversar, ele nos falando de sua vida, do tempo em que trabalhou numa empresa de laticínios, fazendo de tudo um pouco "o que tivesse de serviço lá, a gente tinha que fazer", ele soube que me formei em Direito e que moro em Brasília (apesar de ele não ter telefone, dei-lhe um cartãozinho da Telerj), minhas irmãs conversando também, uma sessão de fotos com ele e com um balde de leite de 50 litros, que ele carregava várias vezes por dia enquanto trabalhava, essas coisas.
eu estava visivelmente emocionado, e quando ele falava, com seu sotaque português (o avô dele era açoriano, e o pai dele talvez seja – não sabemos ao certo, vou investigar isso), eu ficava com os olhos vermelhos. quem conhece este blógue sabe das minhas ligações com Portugal, só que eu não imaginava que tinha um avô com sotaque português (embora o acento caipira também se note). mais do que isso, meu avô, aos oitenta e dois anos de idade, está lúcido, com uma voz cristalina, e pedala dez quilômetros todos os dias, para ir e voltar do centro de Paraibuna.
ele foi bem carinhoso com a gente – pelo que sei, ele odeia crianças – e, homem livre que é, falou muito mal do casamento. que não compensava se casar, que era ruim pro homem e pra mulher, que não era pra que a gente se casasse nunca, que bom mesmo é curtir a vida sem constituir família. no final, dei um abraço e um beijo nele, e saímos, depois de meia hora de papo.
mas o que mais me marcou, nessa história, foi que, apesar de sermos duas gerações da mesma família, separadas por apenas uma, somos pessoas completamente diferentes, mas guardamos alguma coisa em comum: o gosto por trabalhar, o modo como lidamos com nós mesmos, o sotaque português.
esse mesmo sotaque que eu carrego em mim de outro jeito que não no modo de falar, mas que fica impossível explicar de qualquer forma.
Etiquetas: bronze
1 Comments:
enquanto isso, tome-lhe TELB!
com o fechamento de hoje já deu 100%, mas acho que vai micar bonito! hehehe
O fechamento do ano da petrobrás foi algo estranho também, valorizou mais de 2% só no leilão... o volume do dia, que não passava dos 750milhões de reais, com o leilão, chegou a quase 1,2 bi...
Tem alguma coisa muito estranha no ar!
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