segunda-feira, fevereiro 22, 2010

gôndola

do diário do Miguel Sousa Tavares publicado na GQ portuguesa de novembro passado, e que chegou semana passada às minhas mãos (grifo meu):

9 de Setembro - Visita à Bienal de Arte, nos Giardini [em Veneza], magnificamente exporsta. Reencontro com a pintura de Augiéras - que algures, lá atrás, tinha entrevisto e perdido -, África, Sahel, Mali, silhuetas negras sobre fundos ocres e vermelhos, a solidão, a poeira suspensa no ar, todo o fascínio e o "désarroi" de África, o continente perdido. Incrível como um único quadro consegue reproduzir tudo: o olhar, os sentimentos, a própria lei da vida, ali. Em contrapartida, na secção das "instalações", descubro um "pintor" em vias de tornar-se célebre e "revolucionário": alinha sete telas em branco, totalmente em branco, numa parede, e, por baixo delas, tem colados uns post-it com mensagens como "imagine aqui uma praia deserta, com um mar azul e transparente" ou "imagine aqui uma cena de noite na cidade, com chuva, gente e automóveis". Ok, eu imagino. Imagino uma conversa minha sobre essas "instalações" com o meu amigo PCS, a quem, um dia, fiz a pergunta: "O que é a Arte, finalmente?" E ele respondeu "Arte é aquilo que um artista nomeia como tal." Chega? Não, para mim, não chega, mas eu sou um básico, falta-me a resposta à pergunta: "E o que é um artista, então? É aquele que se nomeia como tal?" Na minha recém-descoberta veia de artista fotográfico, fotografo Veneza sem parar. Que exercício mais inútil! Tantos milhares, milhões, que o tentaram antes de mim. E então? Veneza continua e será sempre irreproduzível. Ainda bem, é por isso que se volta.

mas melhor ainda foi ele chamando Veneza de "cidade líquida", no texto de dois dias antes: que definição preciosa...

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