terça-feira, setembro 15, 2009

Rubtsovsk

certa vez eu estava no consultório, esperando para que minha dentista me atendesse. vi um exemplar da Vogue portuguesa dando sopa e comecei a ler enquanto não era chamado, e achei um texto bem interessante, assinado pelo Will Hodgkinson, sobre cavalheirismo. gostei tanto que achei por bem transcrevê-lo aqui, mas só hoje me lembrei de pedir emprestada a fonte. qualquer dia eu comento sobre o texto e sobre o autor, e é escusado dizer que a ortografia portuguesa foi mantida:

Onde andam os cavalheiros?


Num jantar recente, jurei ser mais cavalheiro no dia-a-dia. Parecia que anunciara também uma campanha pelo regresso do cinto de castidade tal era a fúria da anfitriã, que crescia à medida que equiparava toda a noção de cavalheirismo com uma tentativa de ser condescendente e de enfraquecer as mulheres. O marido concordava que não havia lugar para tal na era moderna. Um outro, mais novo, afirmou que abrir a porta a uma senhora era um acto sexista, antes de afastar com uma cotovelada a que estava sentada ao seu lado para chegar às ervilhas. No final da noite, senti que, em vez de prometer ser mais educado - a essência do cavalheirismo - me revelara como descendente espiritual de Napoleão Bonaparte, cuja sugestão de que as mulheres deveriam ficar-se pela renda resume a sua atitude pouco esclarecida face às relações entre sexos.

No entanto, ouvi frequentemente amigas a queixarem-se da falta de cavalheirismo no homem moderno. Parece que as portas já não são abertas, nem as cadeiras puxadas, nem as contas do restaurante discretamente pagas, nem os casacos ajudados a vestir, pelo menos alguém que tenha menos de 50 anos. Mas basta mencionar a palavra para que, por vezes, seja despoletado um campo minado feminista.

A minha convicção de que é preciso reavivar o cavalheirismo nasceu da experiência pessoal. Quando era um homem mais novo, não fazia ideia de que tal coisa existisse. A minha mãe, resolutamente feminista, levava a mal quaisquer símbolos exteriores de patriarcado e ensinou-me, a mim e ao meu irmão, que os sexos não são iguais: os homens são ligeiramente inferiores. Depois de umas férias em família num barco (em que ela insistiu ser o capitão do navio e bateu contra um cruzeiro que passava), escreveu um livro enaltecendo os males do casamento, enquanto o nosso pai descobria a espiritualidade indiana. Depois, divorciaram-se. Muitas lições são aprendidas ao longo de uma infância como esta, mas aquela sobre caminhar do lado de fora para que a nossa acompanhante não seja molhada pelos carros não está entre elas.

Quando conheci a minha futura mulher numa discoteca, cinco anos depois de acabar a escola, a minha noção de sedução envolvia dizer que lhe oferecia uma bebida, mas acabar por pedir que ela fosse a buscá-la, depois de concluir que só tinha dinheiro suficiente para o bilhete de autocarro até casa. Com a sua ajuda, comecei a entender que o cavalheirismo é equivalente a uma dança: uma coreografia que dá elegância e graça aos rituais diários. Se um homem espera para abrir a porta a uma mulher significa que não irão chocar um contra o outro, tal como quando os dançarinos sabem a valsa não pisam os pés um do outro.

Falta de cavalheirismo não é nada de que se deva ter orgulho. Ser desnecessariamente indelicado faz-nos parecer adolescentes amuados em vez de iconoclastas excitantemente perigosos. E não ser cortês não é sinal de esclarecimento, mas prova de que ou se é demasiado egoísta para mostrar respeito pelas mulheres ou demasiado fraco para tomar a iniciativa. As boas maneiras reflectem os valores interiores e o cavalheirismo não é excepção. Levei anos a aprender que é, acima de tudo, uma questão de coibição: abrir a porta a uma mulher não quer dizer que ela é demasiado frágil para o conseguir fazer sozinha, mas que a colocamos em primeiro lugar. Não precisamos a um regresso ao clima social dos anos 50, que viu a princesa da Jugoslávia, durante um jantar com o marido e Cecil Beaton, dizer, com desânimo, "mas eu estou de pé" quando os seus acompanhantes masculinos não se levantaram. Mas poderíamos, porém, encontrar um meio-termo.

Claro que não deveria importar, mas aquilo que uma mulher veste afecta o cavalheirismo com que um homem a trata. Quanto mais elegante estiver, defende uma amiga que trabalha em Moda, mais forte será a mensagem subliminar a exigir que seja tratada de certa forma. Até interessa se o cabelo está arranjado. "Se tiver sapatos altos, está à procura de atalhos, como entrar depressa num táxi, e um cavalheiro entendê-lo-á. Não se trata de uma proposta sexual", afirma, "trata-se de projectar uma imagem que denota respeito por si mesma e que espera que este seja retribuído". Considera os actos de cavalheirismo condescendentes? "Claro que não! As boas maneiras são, acima de tudo, uma forma de consideração".

Para além de não querer ofender as ideias pós-feministas, poderá haver algo nas mulheres de hoje que não convida ao mesmo tipo de cavalheirismo? Ou será uma crise de confiança nos rapazes? Parte do motivo poderá ser que os homens que cresceram numa era de maior igualdade não se sentem confortáveis com comportamentos cavalheirescos ou tal já nem lhes passa pela cabeça. É como se a igualdade tivesse dado aos homens uma desculpa para não serem cavalheiros. Mas, sinceramente, uma mulher grávida precisa mais de um lugar onde sentar-se do que um homem. A maioria dos homens é fisicamente mais forte do que a maioria das mulheres e, portanto, pode ajudá-las a transportar bagagens pesadas. Deveria ser algo natural.

O que me leva de volta à discussão do jantar. O homem moderno tem tanto pavor de ser visto como sexista que acabou por deixar de respeitar a feminilidade. Considero atraentes as mulheres elegantes e glamurosas. Gosto de um bom estilo - sugere conforto na sua própria identidade. Deixar de reconhecer o estilo e a elegância de uma mulher não é um acto de igualitarismo, mas de insensibilidade. O cavalheirismo também é saber o que é adequado. Se a mulher estiver a sair de casa de fato de treino para vir buscar leite, provavelmente não quer que reparem nela. Se estiver a usar um vestido comprido e saltos altos, é mais do que provável que abrir-lhe a porta do carro seja um gesto a que dará valor.

Chegou a altura de descobrir como os homens da minha geração vêem as velhas regras de cavalheirismo. "Quando era mais novo, não tinha ideia de quais fossem, mas, desde então, descobri que é melhor pecar por excesso", diz outro. "Não me lembro de uma única vez que tenha ofendido uma mulher por abrir-lhe a porta ou por oferecer o meu lugar". Outro amigo, que trabalha no mundo dos editores e livreiros, confirma que estes gestos são raramente desvalorizados. "Crescemos a aprender a tratar toda a gente como iguais e o lado negativo de tal é a perda da cortesia", diz. "Até hoje, só me chamaram a atenção por não ser suficientemente cavalheiro".

Há muito tempo que não saio com mulheres, mas recebi relatos a sugerir que os valores cavalheirescos foram postos de parte num campo onde deveriam ser fundamentais. Perguntei a uma amiga solteira como foram as suas experiências recentes. Parece que, no mundo moderno dos romances, um namoro antigo já não é um namoro no sentido antigo - podem orquestrar-se encontros que não têm nenhuma formalidade do jantar de sábado - e o cavalheirismo parece ter sido perdido pelo caminho. Numa ocasião, foi oferecido à minha amiga um táxi para a levar para casa, mas o gesto perdeu todo o valor quando o seu companheiro disse que não se importava de pagá-lo porque podia pôr a conta nas despesas da empresa.

Quanto aos jovens que dão os primeiros passos no caminho do conhecimento de como tratar uma mulher, parece que a maioria não sabe nada. Numa recente noite de Inverno, vi um tipo elegante com um casaco de cabedal a fumar à porta de um bar com uma indiferença mal-humorada enquanto a namorada tremia ao seu lado. Uma jovem amiga, cuja beleza significa que nunca teve falta de homens interessados em si, revelou que nunca tinha sido levada a jantar a um restaurante por um namorado. "Tudo gira em torno deles", diz. "Esperam receber toda a atenção".

Há esperança, contudo. Até os casos menos prováveis podem transformar-se. Quando lhe falei deste artigo, a minha mulher recordou-me das vezes que larguei portas em cima dela; mas admitiu que melhorei muito. Os gestos, mesmo os desastrados, fazem a diferença. Outra amiga tem a última palavra: "O meu marido toma a iniciativa em aspectos da vida que eu consideraria angustiantes e fá-lo para meu bem e não em prol do seu ego". O verdadeiro cavalheirismo, por outras palavras, é a sua própria recompensa.

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