quarta-feira, novembro 01, 2006

gardening

Legião Urbana - "O passeio da Boa Vista"

ela olhou para mim. não nos meus olhos, porque eu não estava ali na hora. não para mim. e tanto faria se eu estivesse: não sei reagir a esse tipo de coisa nem precisaria - foi só para saber quem eu sou, quando muito. e eu parei com isso de mexer com mulher faz uns meses, tentando ser nesse ponto o novo David Souter.

não sei se o meritíssimo Souter tem de conviver com esse tipo de tentação; isolado num gabinete ou num mosteiro, qualquer um consegue.

fato é que, depois do almoço, eu passei uns minutos a contemplá-la, de longe. a uma certa hora, pareceu-me que ela olhou na minha direção com um sorriso mais largo. meu olhar, como sempre acontece, desviou-se: impossível ganhar uma batalha assim dos olhos dela.

no começo da aula da tarde, um pequeno gesto daqueles que a transformação do país em República condenou: fui até o cara que distribuía apostilas e peguei uma para mim. ao me virar para retornar, vi ela de braço estendido, querendo uma também - e na mesma hora entreguei-lhe a minha (meu coração foi junto). ela abriu um sorriso largo e não disse uma única palavra, e assim continuamos sem trocar um único "a" desde sempre. sentei-me e olhei-a, mudo, quieto, tipo uma paisagem. e percebi, sem que ela envergasse um sorriso, que os lábios dela são lindos. a aula apenas começara, mas eu já havia aprendido tudo.