domingo, abril 09, 2006

Sinatra
a "Maxmen" portuguesa de dezembro de 2005 acaba de chegar às bancas aqui do terceiro mundo, com a Isabel Figueira (mais uma vez) na capa e uma bela matéria de oito páginas sobre o deus Frank Sinatra, a qual transcrevo abaixo porque vale a pena.

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Mr. Success
Se estivesse vivo, Frank Sinatra faria 90 anos no dia 12 de dezembro. Viveu como ninguém: mulheres, copos, festas, dinheiro, sucesso, mau feitio e, claro, a voz.

por Hugo Gonçalves


Senhoras e senhores, Frank Sinatra e o seu espectáculo! Cadeiras lançadas por janelas de hotéis, ameaças de pernas partidas a inimigos, garrafas de Jack Daniels, gelo, cigarros e noites de roleta em Las Vegas; coristas, fãs, prostitutas de luxo e estrelas de cinema, amor e misoginia; amigos a quem deu a mão e amigos que expulsou de casa para sempre; vingança e filantropia em segredo. O Frank Sinatra das biografias, dos filmes, dos programas de televisão, das histórias da máfia, a celebridade, a lenda, o Senhor Estilo, Old Blue Eyes, o protagonista de episódios que se contam em noites de bebedeira com os amigos. Ele gostava de comer os ovos mexidos do pequeno-almoço no peito das prostitutas. Ele enviou uma pedra tumular, por correio, a um jornalista que o criticara e que tinha publicado a sua morada em Nova Iorque e em Los Angeles. Ele entrou numa escola que não queria estudantes negros, para explicar o absurdo da segregação racial. Diante de um auditório de 4800 alunos e pais, foi recebido com assobios. Durante quase 20 minutos ficou de braços cruzados no meio do palco. Quando se calaram, Sinatra agarrou no microfone e, sorrindo, disse: "Eu consigo arrumar cada um de vocês, seus filhos da mãe". Um dos rapazes respondeu: "É isso, Frankie. Dá cabo deles." E, de seguida, um grupo de miúdas, em coro: "Nós adoramos-te, Frankie." Ele era dono da sala.

O senhor Francis Albert Sinatra e o espectáculo da sua vida em entrevistas, livros e imagens televisivas. Sinatra dos rumores. Sinatra para o público. Um espectáculo que deveria ser sempre acompanhado pela sua música - afinal, a única forma de equilíbrio que conseguiu na sua vida, entre as depressões e a euforia. O escritor Oscar Wilde disse que punha todo o génio na sua vida e apenas talento na sua escrita, no seu ofício. Sinatra talvez discordasse: "Para quê escrever uma autobiografia? A maior parte da minha vida não poderia aparecer. A minha música. As minhas canções. Não se conseguiriam ouvir as minhas canções num livro."

"My way"

Frank Sinatra, filho único, nasceu a 12 de dezembro de 1915, em Hoboken, no estado de Nova Jérsei, mas com a cidade de Nova Iorque ali tão perto, no outro lado do rio Hudson. O parto, feito com forceps, rasgou-lhe a pele da cara e do pescoço. Durante a infância, os miúdos da escola gozavam-no por causa das cicatrizes. Frank nunca ficava quieto, lutava e, mesmo que perdesse, respondia sempre aos insultos. Os seus pais, primeira geração de imigrantes italianos nascida nos Estados Unidos, tinham um bar ilegal durante o período da Lei Seca e conheciam os protagonistas do submundo. Dolly, a mãe, era ambiciosa, influente na comunidade e dizia mais palavrões que a maioria dos homens. O pai, Marty, ex-pugilista, trabalhava como bombeiro, era reservado, falava pouco, defendia as regras de lealdade trazidas da Sicília e ensinou-as ao filho.

Frank sabia que os pais tinham dinheiro para lhe pagar um curso superior, mas abandonou o liceu. Era um aluno indesejado, pelo mau comportamento e falta de assiduidade: "O meu pai foi chamado ao gabinete do director, que lhe disse: 'Tem aqui o diploma, agora leve o seu filho para longe daqui'!"

Trabalhou a descarregar caixas de livros, na Big Apple, mas demonstrou o seu desprezo pelo trabalho manual ao despedir-se. Sinatra queria cantar e a mãe ajudou-o, comprando um sistema de som e partituras. Começou por actuar em bailes de liceu, convenções partidárias e clubes nocturnos de Hoboken. Muitas vezes era pago com sanduíches e maços de cigarro. Iniciou um namoro adolescente com Nancy Barbato, que seria a sua primeira mulher, mas desde o início clarificou as suas ambições: "Eu vou a caminho do topo e não quero uma miúda agarrada ao meu pescoço, a impedir-me de lá chegar."

"I fall in love too easily"

Com algum sucesso local em bares e clubes, Frank, aos 22 anos, acentuou uma das características da sua personalidade, já demonstrada durante a adolescência - era obcecado por mulheres. Fred Tamburro, músico que tocou com ele, disse: "Ele conseguia qualquer rabo de saia que quisesse. Tinha um apetite sexual como nunca vi. Teria fodido uma cobra se a conseguisse segurar tempo suficiente."

Um amigo de infância de Sinatra, Joey D'Orazio, descreve o sucesso do cantor: "Elas caíam-lhe em cima logo que ele saía do palco. Ele atava-as à cama (...) elas deixavam. Ninguém fazia esse tipo de coisas nos anos 30. (...) Não quero parecer indelicado, mas havia outro factor a ter em conta se querem conhecer o verdadeiro Sinatra (...) ele era bem equipado, percebem o que quero dizer? - era dotado como um cavalo e as miúdas gostavam disso. Depressa se espalhou que o Sinatra não as desiludiria." Esta fama seria comprovada por várias mulheres que dormiram com Frank, e mesmo pelo seu amigo Dean Martin que, quando lhe perguntaram num programa de rádio quem era maior, se Sinatra, se Sammy Davis Jr., respondeu: "Quando vi o Frank pela primeira vez na sauna, ele tornou-se o meu ídolo. Quanto ao Sammy, bem, podemos dizer que eu sou o ídolo dele."

Noivo de Nancy Barbato, Sinatra dormia com outras mulheres, como aliás faria no resto de sua vida, estabelecendo sempre a distinção entre o amor e o sexo, entre as mulheres legítimas e os casos em quartos de hotel, depois dos concertos. Segundo o seu amigo D'Orazio: "Eram apenas miúdas que ele usava para sexo. Estava-se nas tintas para elas, apenas gostava da Nancy. No entanto, limitar-se a uma mulher era algo que ele não conseguia imaginar." Frank terá dito ao amigo: "Somos animais, aceita-o, Joey. Somos apenas animais e temos orgulho disso."

Meses antes do casamento, envolveu-se com uma mulher que o acusou de quebra de promessa - ela garantia que Frank a pedira em casamento. O cantor foi preso e são desse tempo as famosas fotos de esquadra [N. do R.: fichamento policial] que hoje ainda são vendidas nas ruas de Nova Iorque, ao lado de miniaturas da Estátua da Liberdade.

"I got the world on a string"

No início da década de 40, Sinatra, casado com Nancy, fazia parte da banda de Tommy Dorsey. Com a canção "I'll never smile again", ficaram em número 1 no top durante 12 semanas. Frank queria ser uma estrela a solo, mas sabia que teria de aprender com Dorsey se quisesse apurar o seu estilo vocal. Dorsey tocava trombone e fazia-o como se não precisasse de respirar. Frank percebeu que a voz deveria ser tocada como um instrumento. Para isso, precisava de fôlego. Nadava todos os dias e, debaixo de água, imaginava-se a cantar de forma a saber quanto tempo era necessário para cada frase de um tema. Todo esse treino contribuiu para aquilo a que hoje se chama o fraseado de Sinatra - ele cantava como se não precisasse de se esforçar. Tinha as pausas certas, agüentava uma nota mais tempo do que qualquer outro. No palco, usava o microfone como adereço do seu desempenho. Os outros cantores ficavam estáticos diante do aparelho, Sinatra andava demoradamente de um lado para o outro, afastava-se do micro, depois aproximava-se, acendia um cigarro, interpretava as palavras: "Eles nunca percebem que o microfone é o seu instrumento. É como se fôssemos parte da orquestra mas, em vez de tocarmos um saxofone, tocamos um microfone". Sinatra era magro, tinha 1.75m, orelhas salientes e pesava pouco mais de 60 quilos. Não era um homem muito bonito ou corpulento. No entanto, sempre que estava em palco, as mulheres cediam.

Saiu da banda de Dorsey em 1942, depois de participar nos seus primeiros filmes em Hollywood. Com a II Guerra Mundial, por causa do esforço de guerra, muitos trabalhavam durante a noite e os cinemas abriam logo de manhã, com sete sessões ou mais por dia. Cada uma delas era antecedida por música ao vivo. Sinatra chegou a fazer sete espectáculos num só dia, num dos maiores cinemas de Nova Iorque, e a sua fama servia para esgotar os lugares, com cinco mil adolescentes do sexo feminino - as grandes admiradoras do cantor. Elas guardavam as pegadas dele, impressas na neve, no congelador. Procuravam a cinza e as beatas de cigarro, pagavam às empregadas de hotel para se deitarem entre os lençóis de Sinatra, depois de ele sair do quarto, e antes de fazerem a cama de lavado. Num dos concertos, desmaiaram 30 adolescentes, noutro começaram a atirar soutiens para o palco.

"The lady is a tramp"

Mesmo depois de casado, Frank continuou a gostar da promiscuidade. O seu chefe de relações públicas, George Evans, preocupava-se com essa imagem, mais ainda quando Nancy, grávida pela segunda vez, lhe ligou porque tinha a primeira filha doente e não sabia do marido há uma semana. George conseguiu encontrar o cantor, numa casa em Jersey City. Como ninguém abria a porta, entrou e descobriu Frank, na casa de banho, com uma stripper chamada Lips Luango. Mandou-o para casa. Quando lhe disse que as actividades extra-conjugais tinham de parar, Sinatra respondeu: "O teu trabalho é manter isto fora dos jornais. Não te metas na minha vida, George, a Nancy está bem." Frank apanhou gonorréia de Lips Luango.

Com 32 anos, Frank tinha duas filhas e iniciou uma relação com a actriz Ava Gardner. Nancy sabia de outros casos com actrizes pelos jornais. Mas era uma mulher católica, italiana, nos anos 40, que aceitava a submissão feminina e os impulsos masculinos. Ela não queria ser uma divorciada. Nancy acreditava que o facto de um homem entregar dinheiro em casa para os filhos era, por si só, uma qualidade. Por essa altura, Sinatra visitou o chefe mafioso Lucky Luciano, exilado em Cuba, e surgiram rumores de negócios entre o cantor e o crime organizado. Por causa disso, e das amantes, Sinatra ganharam uma péssima imagem pública.

Ele estava cansado - demasiados filmes e actuações ao vivo - as suas interpretações pioraram e os seus concertos em Nova Iorque, em 1949, não chegaram a esgotar. Por causa do álcool, dos cigarros, das insónias, a voz enfraquecera. Num período de desilusão, Ava Gardner era uma saída - a largura da boca, os olhos verdes, um temperamento que assustava os homens. Frank gostava de mulheres fortes, que o desafiassem. Embebedavam-se os dois, deitavam-se tarde e viam combates de boxe. Num dos primeiros encontros, andaram a disparar uma pistola num carro em andamento, atingindo candeeiros públicos. Quando, num quarto de hotel, depois de discutir com o crítico de um jornal, Frank abriu um buraco na parede com o telefone, a actriz agarrou no outro telefone e lançou-o pela janela. Eles eram iguais. Lana Turner, actriz e ex-amante do cantor, avisou Ava Gardner sobre ele: "Não há uma actriz célebre que não tenha chorado no caralho de Frank Sinatra."

Entretanto, Nancy fizera uma plástica ao nariz, mudara de guarda-roupa, arranjara os dentes, mas o marido anunciou-lhe que queria separar-se. Ela bateu-lhe, expulsou-o de casa e mudou as fechaduras, acreditando sempre que, como nas vezes anteriores, ele regressaria a casa. Frank casaria com Ava em 1952, logo depois do divórcio.

"I'm a fool to want you"

O relacionamento do novo casal parecia um combate, um jogo de tortura emocional. Frank, dependente de comprimidos para dormir e para acordar, e numa fase descendente da sua carreira, mostrava sinais de fraqueza. Meses antes do casamento, Gardner estava a filmar em Espanha e dormiu com um toureiro. Sobre essa noite, afirmou: "Os homens tratam as mulheres como se fossem merda. Bom, eu por vezes trato os homens da mesma maneira." O toureiro deu entrevistas na imprensa internacional, dizendo que ia se casar com Ava. Depois da humilhação, Frank confessou ao seu primeiro agente, Hank Sanicola: "Eu adoro tudo nela e só quero que ela sinta o mesmo. Pouco a pouco, estou a morrer." Com 34 anos, Sinatra não tinha dinheiro para pagar a pensão de alimentos a Nancy nem os impostos. Foi interrogado num caso de investigação sobre a máfia. Tornou-se um viciado em Ava Gardner, parecia que a actriz era o Frank Sinatra de antigamente e ele uma mulher agonizando por causa da falta de atenção. Os papéis tinham-se invertido. Tentou suicidar-se três vezes, embora de forma pouco convincente: comprimidos, gás e corte dos pulsos. Num concerto em Chicago, uma sala com 1200 lugares tinha apenas 150 espectadores e a sua editora discográfica, a Columbia, cancelou-lhe o contrato.

Durante a rodagem de um filme em território africano, Ava descobriu que estava grávida. Viajou para Londres, sem avisar Frank, e abortou. Segundo os amigos de ambos, esta foi a pior traição de Ava, algo que Sinatra nunca lhe perdoaria. Hank Sanicola conta que o amigo lhe confessou: "Devia ter-lhe dado uma carga de porrada pelo que me fez a mim e ao bebé, mas amo-a demasiado. Outra gaja qualquer, juro por Cristo, e estaria morta."

Frank tentou durante meses entrar no filme "A um passo da eternidade", no papel de um ítalo-americano, uma personagem que ele conhecia tão bem. Era um deles, crescera entre eles em Hoboken. Há quem garanta que conseguiu o papel com a ajuda da máfia e ainda quem afirmou que a cena do filme "O Padrinho" [N. do R.: "O poderoso chefão"], que mostra um cantor em decadência a pedir ajuda a Don Corleone para integrar o elenco de um filme, foi inspirada em Sinatra. No "Padrinho", quando o produtor rejeita o cantor para o papel, a máfia põe-lhe a cabeça de um cavalo na cama. Sinatra desprezava Mario Puzzo, o autor da história, por causa deste episódio de ficção - que Puzzo nunca confirmou ser verdadeiro. Sinatra dizia que as pessoas acreditavam que a personagem do filme era mesmo eel. Quando um dia tentaram apresentar Puzzo ao cantor, num restaurante, Frank insultou-o sem nunca levantar a cabeça do prato. Puzzo disse sobre esse encontro: "Pensei que ele fosse me matar".

Frank Zinnemann, o realizador de "A um passo da eternidade", que não queria Sinatra, afirmou ter ficado impressionado quando este fez os testes - ele sabia o papel todo sem precisar do guião, foi perfeito. O filme acabou por ser um êxito de bilheteira, com Sinatra a conseguir um contrato com a Capitol Records para voltar a gravar. Era um homem mudado, sem o ar adolescente que conquistara tantas raparigas. Deixou os laços e passou a usar fatos escuros e gravatas. Na cabeça, tinha sempre um chapéu. Estava outra vez no topo.

"The best is yet to come"

Depois de seis anos juntos, em 1954, Frank Sinatra e Ava Gardner divorciaram-se. Ela confessou a uma amiga: "Quando ele estava em baixo e longe de tudo, era meiog. Mas, agora que tem outra vez sucesso, voltou a ser o arrogante de sempre." Nesse mesmo ano, Sinatra ganhou o Oscar de melhor actor secundário com "A um passo da eternidade" e voltou a esgotar salas de espectáculo com os seus concertos.

Nos anos seguintes, manteve relações esporádicas com as actrizes Marilyn Monroe, Judy Garland, Lauren Bacall e Kim Novak. Uma lista de luxo! Esses foram também os anos de origem do Rat Pack, nome dado a um grupo de amigos anti-sistema, que gostavam de beber e que tantas vezes se comportavam como crianças mal-criadas. Numa viagem no novo Rolls-Royce de um agente literário, Sinatra e Dean Martin, membros do Rat Pack, acompanhados por Judy Garland, aborreceram-se com a gabarolice do proprietário, que apenas falava do carro, e fizeram uma fogueira no banco traseiro. Quando, um dia, um amigo de Frank lhe ligou para pedir dinheiro emprestado para poder pagar a conta de um hotel, o cantor enviou-lhe um pára-quedas e 30 mil dólares em dinheiro falso. No dia seguinte, porém, pagou a dívida.

Durante os anos 60, o temperamento de Sinatra tornou-se ainda mais inconstante. Batia, destruía, bebia e jogava muito. Era um homem inquieto e insatisfeito. No dia em que os estúdios RKO o obrigaram a estar presente na estreia de um de seus filmes - ele odiava que lhe dessem ordens - Frank levou todos os seusamigos do Rat Pack para o hotel. Beberam 88 cocktails Manhattan. Na sua suíte, a meio d anoite, mandou acordar o dono de uma loja de música e um camionista e encomendou um piano. Nenhum de seus convidados sabia tocar. Na manhã seguinte, levou os amigos às compras. Cobrou todas as despesas ao estúdio que o obrigara a estar na estreia.

Estes foram os seus anos de Las Vegas, dos espectáculos com Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joe Bishop, a equipa do Rat Pack - apenas a actriz Shirley MacLaine era admitida, por ser considerada one of the boys. Mesmo em segredo, Sinatra ajudou Sammy Davis Jr. durante toda a sua carreira, num país onde os negros viajavam na parte de trás dos autocarros e tinham casas de banho separadas dos brancos - Sammy, casado com uma sueca, irritava ainda mais os puristas da raça. Eles dormiam com coristas, com prostitutas. Quando rodaram o filme "Onze homens e um segredo", em Las Vegas, o descontrolo era tal que Sinatra entregou a chave do quarto a uma rapariga desconhecida, dizendo-lhe: "Sobe, que eu já vou". Ela era casada com o director de casting. Muitos anos mais tarde, a tal rapariga contou: "Eu até poderia ter acabado na cama com ele porque, afinal de contas, ele era o Frank Sinatra, mas como se atreveu a dar-me ordens daquela maneira?"

"Fly me to the moon"

Sinatra fazia 20 milhões de dólares por ano. Filmes, discos, concertos. No início da década de 60, ajudou John Kennedy a ganhar as eleições primárias na Virgínia Ocidental, com a sua presença em comícios. Diz-se que fez a ponte entre JFK e Sam Giancana, um capo da máfia nova-iorquina, que terá ajudado a eleger o então senador do Massachussets. Frank fez concertos de angariação de fundos para a campanha de Kennedy e organizou a cerimónia de posse quando ele se tornou presidente - também lhe arranjou mulheres, que era coisa de que este também gostava. E muito. Depois das eleições, o clã Kennedy, receando as alegadas ligações de Frank aos mafiosos, afastou-se e todas as chamadas de Sinatra foram recusadas. Essas ligações mafiosas nunca foram provadas, nem mesmo pelo FBI. Sempre que confrontado com elas, Frank respondia que freqüentava os mesmos lugares que os mafiosos e que era normal que os conhecesse e bebesse com eles. Mas ele próprio brincava com essas alegações, quando no filme "Cannonball" (1976) apareceu numa ponta, a fazer de mafioso.

Sinatra casaria mais duas vezes, primeiro com uma actriz de 19 anos, em 1966, Mia Farrow (estiveram juntos um ano e meio), e em 1976 com Barbara Marx. Nesses dez anos, entre os dois casamentos, passou uma noite com a viúva Jackeline Kennedy e continuou a encontrar-se com prostitutas. Frank gostava de contar o que se passava na cama. Mas, segundo os amigos, nunca mencionou a noite com Jackeline. Nos dias seguintes ao encontro, quando Jackeline foi alertada por uma amiga que Sinatra era o homem que providenciara mulheres a John Kennedy, ela decidiu nunca mais atender o telefone ao cantor e devolveu, sem abrir, um pacote com uma pulseira de diamantes de 25 mil dólares.

Na mesma semana, Frank passou de uma primeira-dama para as prostitutas. Um dos seus assistentes, Bill Stapley, lembra-se de entrar no quarto do Waldorf Astoria, em Nova Iorque, antes das oito da manhã, e de encontrar profissionais na cama de Sinatra. O se trabalho era tirá-las do quarto e pagar-lhes.

"I'm gonna live till I die"

Nos anos 80, Frank continuou a dar concertos e a vender milhões de discos, mas os seus amigos iam morrendo. Dean Martin, Peter Lowford, Sammy Davis Jr. - e com 70 anos, Sinatra começava a ter problemas de saúde. Bebia muito. Precisava de telepontos nos concertos para não se esquecer da letra. Numa noite, desidratado, caiu com a cara no chão do palco. Teve um problema nos intestinos que, durante algumas semanas, foram substituídos por um saco. Ele odiava a fragilidade, detestava depender dos outros, como se detestara a si próprio durante a relação com Ava, embora sempre tenha confessado que ela fora a mulher de quem mais gostara. Porque, apesar da promiscuidade e da indiferença com que, por vezes, tratou as mulheres, ele era um romântico, que julgava que o amor era a única salvação. Quando internado, continuou a fumar. Depois da morte de Dean Martin, disse: "Eu sou a seguir. Não tenho medo. Por quê haveria de ter? Toda a gente que conheço já lá está." Sinatra não era um modelo de virtudes morais, tratou mal pessoas e, como disse Sammy Davis Jr., o talento não desculpa tudo. Ele nasceu em 1915, contudo, numa era tão higiénica quanto a nossa, e as suas posições anti-sistema - contra a segregação racial, por exemplo - o seu inconformismo, o seu hedonismo, a insolência, continuam a ser motivo de fascínio. Somos observadores deslumbrados do que ele viveu, por vezes imitadores invejosos. Seguindo o título de uma das suas canções, Sinatra viveu, mas viveu mesmo, até morrer. E como disse Dean Martin: "It's Frank's world. We're just lucky to live in it."

Frank Sintra morreu com 82 anos, de ataque cardíaco, com Barbara a seu lado. É impossível fugir ao lugar comum e não dizer que ele nos deixou a sua música. Mas era isso que ele quereria. Este artigo foi escrito a ouvir os seus discos. E as letras das suas canções - e A Voz - continuam a fazer todo o sentido.