sábado, maio 24, 2008

ok

vai escurecer. ainda estou no trabalho. escureceu. já posso ir para casa, tudo está resolvido, eu falei com deus em uma ida ao décimo primeiro andar, eu falei com meu chefe numa ida até a mesa dele, eu falei com meus colegas sem sair de minha baia. eu fiz reverência a quem manda em mim, eu cumprimentei todo mundo, do vigia ao homem da limpeza ao gerente chato da outra área à mulher que me ligou para vender coisas que eu não queria. eu entendi a opinião de todos, tentei colocar um pouco da minha no meio, tentei me inteirar do que estava sendo dito por aí. eu pensei em colunas de templos gregos, em refrigerantes sem açúcar, em chorar no canto da sala sem motivo aparente, em airbags de BMWs com bancos de couro preto, em adiantar o meu relógio e ser sempre o primeiro a chegar, não importa onde nem porquê. eu desliguei o computador, tomei uma aspirina para ver se esses pensamentos iam embora, escovei os dentes, me encarei no espelho e desci pelo elevador, mesmo sendo apenas um andar acima da portaria. eu cumpri todo o ritual ao entrar no carro, de deixar a pasta atrás do banco da frente, pendurar o paletó num cabide, deixar o celular no porta-trecos no meio do painel, as balinhas no console central e o meu Omega Speedmaster junto delas. eu lembrei do comercial do cartão de crédito que me mandava sair de férias e botava meu nome, sim, o meu nome!, num plástico para todo mundo ver. eu me senti mal com tudo aquilo, liguei o carro e os faróis e fui para casa torcendo para não encontrar ninguém, conhecido ou desconhecido, no caminho; para não receber ligações, mensagens e qualquer outro tipo de interações de outras pessoas naquela noite. torcendo, também, para ainda ter comida em casa, já que não queria mesmo ter de pedir nada, usar o telefone, dirigir um trólei de supermercado ou qualquer coisa do tipo. eu coloquei meu carro no meio de uma fila de outras pessoas, tão desinteressantes, tão pessoas, voltando para casa uma hora depois do fim do expediente, emparelhando os carros como bois em uma fila para o matadouro, toda iluminada pelas lâmpadas de sódio da CEB, pelo mar de informações em âmbar, pela propaganda nossa de cada dia. e eu vou lentamente deslizando minhas mãos pelo volante como se fosse um piloto automático, sem pestanejar, sem prestar atenção, sem ratear na hora de sair com o sinal verde, pegando as mesmas pistas nos mesmos momentos, dando seta no mesmo momento de ontem, anteontem e na semana passada, mergulhando no Parque da Cidade sem prestar atenção à roda gigante, sem querer saber o que vai passar no Cine Academia, sem saber quanto peso, vazio de quaisquer sentimentos, enquanto o ponteiro da velocidade vai crescendo e o piloto automático se torna um animal robótico, devorando carro por carro sem esboçar qualquer preocupação, acompanhando o mar de luzes e de curvas no sentido horário, acelerando e trocando de faixa no ritmo de qualquer música que o aparelho de som derrame no começo da noite, num balé que vai deixando quilos de monóxido de carbono para trás, quilômetros para trás, pensamentos para trás, eu e você para trás. e por mais que se veja no caminho um monte de feiúra, brutalidade, negligência e outros desânimos, só se pode continuar, de forma ordenada, em fila indiana, marcando os passos novamente em ritmo mecânico em meio aos prédios. as luzes estão acesas: eu imaginaria dezenas de yuppies desatando gravatas, crianças voltando da escola com seus cadernos encapados em xadrez vermelho-e-branco, mulheres procurando suas sacolas de ginástica enquanto tomam água e suspiram de pensar na série que terão de fazer esta noite na academia; pensaria, ainda, em uísques sendo tomados enquanto alguém não chega para a execução de uma maracutaia em domicílio, em motocicletas de entregas com pizzas, pães, yakisobas e toda sorte de carboidratos sendo entregue em domicílio... mas eu sou um piloto automático e estou no trânsito, a dois semáforos de casa e a um de você, meu amor.

mas seu sinal está sempre vermelho para mim.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo declarou...

Excelentes escritos, bombeiro!

sábado, 24 maio, 2008  

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