cinética
coluna do João Pereira Coutinho na Folha de hoje:
Dez dias que mudaram o mundo
A história não avança com grandes solavancos. Melhor prestar atenção aos pequenos. São pormenores, ridículos pormenores que o tempo acaba por registrar e consagrar para memória futura. Aconteceu recentemente, quando 15 marinheiros britânicos foram capturados e libertados pelo Irã. Alguém notou nos dez dias que mudaram o mundo?
Eu notei. Comecei por notar a forma como os soldados foram capturados em teatro de guerra. Tempos houve em que a Royal Navy era conhecida por sua ferocidade em combate. A grande diferença, dessa vez, é que ninguém disparou um tiro perante a presença inimiga. A culpa não é inteiramente dos britânicos. De acordo com as regras de combate que as Nações Unidas exigem dos homens ao seu serviço e que a Royal Navy parece aceitar pacificamente, não é possível disparar primeiro sem o inimigo disparar primeiro. Uma situação de impasse que acaba por paralisar os soldados e que é uma vantagem para seus inimigos.
Lição nº 1: é possível capturar tropas ocidentais sem luta porque elas estão proibidas de lutar.
Mas o circo continuou com os marinheiros em cativeiro. Tempos houve em que os britânicos eram conhecidos por sua resistência perante o interrogatório. Confrontados com as perguntas do inimigo, os soldados de Sua Majestade limitavam-se ao conhecido "name, rank and number". E calavam a boca. Em dez dias, os marinheiros não apenas disseram o nome, a patente e o número como se multiplicaram em confissões, estados de alma e denúncias do "imperialismo ocidental" para consumo interno e externo.
Lição nº 2: depois de capturadas, as tropas ocidentais colaboram sem limites com os seus captores.
Finalmente, o regresso a casa. Tempos houve em que os soldados britânicos relatavam as suas experiências de guerra quando essas experiências eram motivo de orgulho. Winston Churchill, nos clássicos "The Malakand Field Force" e "The River War", deliciou as platéias com relatos de bravura militar na Índia e no Sudão. Cem anos depois das campanhas de Churchill, o Ministério da Defesa começou por autorizar que os 15 marinheiros vendessem as suas histórias aos jornais e à TV, independentemente dessas histórias serem manchadas pela desonra e pela covardia. E dois dos marinheiros, antes do Ministério mudar de idéia, não hesitaram em fazer da rendição um negócio e uma virtude.
Lição nº 3: noções de honra, coragem ou mero profissionalismo deixaram de fazer sentido para o Exército britânico.
Moral da história? Não é uma originalidade afirmar que o episódio foi uma humilhação e uma derrota para a Grã-Bretanha. Como foi uma humilhação e uma derrota para a União Européia (incapaz de pressionar economicamente o regime iraniano, com quem mantém relações comerciais importantes) e para as Nações Unidas (incapazes de deplorar o ato). Mas o episódio revelou mais: revelou que os homens que defendem o Ocidente são desprovidos dos mais basilares sentimentos de coragem, honra ou lealdade. A queda de Roma começou assim.
Dez dias que mudaram o mundo
A história não avança com grandes solavancos. Melhor prestar atenção aos pequenos. São pormenores, ridículos pormenores que o tempo acaba por registrar e consagrar para memória futura. Aconteceu recentemente, quando 15 marinheiros britânicos foram capturados e libertados pelo Irã. Alguém notou nos dez dias que mudaram o mundo?
Eu notei. Comecei por notar a forma como os soldados foram capturados em teatro de guerra. Tempos houve em que a Royal Navy era conhecida por sua ferocidade em combate. A grande diferença, dessa vez, é que ninguém disparou um tiro perante a presença inimiga. A culpa não é inteiramente dos britânicos. De acordo com as regras de combate que as Nações Unidas exigem dos homens ao seu serviço e que a Royal Navy parece aceitar pacificamente, não é possível disparar primeiro sem o inimigo disparar primeiro. Uma situação de impasse que acaba por paralisar os soldados e que é uma vantagem para seus inimigos.
Lição nº 1: é possível capturar tropas ocidentais sem luta porque elas estão proibidas de lutar.
Mas o circo continuou com os marinheiros em cativeiro. Tempos houve em que os britânicos eram conhecidos por sua resistência perante o interrogatório. Confrontados com as perguntas do inimigo, os soldados de Sua Majestade limitavam-se ao conhecido "name, rank and number". E calavam a boca. Em dez dias, os marinheiros não apenas disseram o nome, a patente e o número como se multiplicaram em confissões, estados de alma e denúncias do "imperialismo ocidental" para consumo interno e externo.
Lição nº 2: depois de capturadas, as tropas ocidentais colaboram sem limites com os seus captores.
Finalmente, o regresso a casa. Tempos houve em que os soldados britânicos relatavam as suas experiências de guerra quando essas experiências eram motivo de orgulho. Winston Churchill, nos clássicos "The Malakand Field Force" e "The River War", deliciou as platéias com relatos de bravura militar na Índia e no Sudão. Cem anos depois das campanhas de Churchill, o Ministério da Defesa começou por autorizar que os 15 marinheiros vendessem as suas histórias aos jornais e à TV, independentemente dessas histórias serem manchadas pela desonra e pela covardia. E dois dos marinheiros, antes do Ministério mudar de idéia, não hesitaram em fazer da rendição um negócio e uma virtude.
Lição nº 3: noções de honra, coragem ou mero profissionalismo deixaram de fazer sentido para o Exército britânico.
Moral da história? Não é uma originalidade afirmar que o episódio foi uma humilhação e uma derrota para a Grã-Bretanha. Como foi uma humilhação e uma derrota para a União Européia (incapaz de pressionar economicamente o regime iraniano, com quem mantém relações comerciais importantes) e para as Nações Unidas (incapazes de deplorar o ato). Mas o episódio revelou mais: revelou que os homens que defendem o Ocidente são desprovidos dos mais basilares sentimentos de coragem, honra ou lealdade. A queda de Roma começou assim.
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