quarta-feira, março 22, 2006

notas cariocas, vol. 2
não é novidade que eu faço apologia ao modus vivendi carioca, mas não posso ignorar algumas coisas incômodas. a maior delas, e que eu só saquei nesse domingo, é que os cariocas são a galera mais estúpida do mundo no trânsito. buzinam quando alguém sai um segundo depois do sinal abrir (a tolerância máxima parece ser de três décimos), páram nas calçadas, costuram ultrapassagens sem dó, têm um transporte público dominado por motoristas loucos. e eu descobri isso dormindo.

depois de tentar assistir ao enfadonho gepê da Malásia, dormi lindo e gato no sofá da sala. no período de repouso (entre cinco da manhã e duas da tarde), acordei umas quatro vezes com arrancadas de ônibus, buzinas impacientes e até uns berros de alguma discussão de trânsito. sério. olha que, apesar de ser uma rua movimentada, o JP mora no sexto andar. enquanto ele não acordava, fiquei enrolando no iBook, tentando entender o funcionamento dessas coisinhas brancas da Apple que tanto cultuo mas não sei mexer p**** nenhuma. quando ele acordou, faminto, resolvemos procurar algo pra forrar a pança - o gás dele está cortado, de modo que o fogão do Le Práxis Meridien e o chuveiro quente são coisas de outros tempos, haha.

pegamos o caminho do Leblon e fomos batendo perna até the arsehole of nowhere, com paradas para mate com limão e Guara Viton no caminho. ele ainda não estava melhor da ziquizira que lho abatera no dia anterior, razão pela qual lhe sugeri um ônibus - e que ele prontamente declinou. naquele momento, de bermudão (assim que cheguei ao Rio, minha primeira atitude foi trocar as calças por uma bermuda, e só vesti uma de novo indo para o aeroporto), vendo as pessoas bronzeadas passando, tomando um porre de mate gelado, senti uma vibe maneiríssima. era como se eu estivesse dentro duma novela do Manoel Carlos, exatamente como da última vez em que estive no Rio. e isso é bom demais: novela do Manoel Carlos não tem pobre, não tem morro, não tem carro 1.0... e tem até amor de verdade - tudo bem, isso de amor de verdade é ficção mesmo... mas os outros até dá pra acreditar.

eu estava feliz. demais. com vontade de ligar pro meu pai e dizer "pai, tô no Rio e daqui não saio, daqui ninguém me tira" - no outro dia ele procuraria o sr. João Magraner, advogado aparecidense das antigas, e excluir-me-ia de seu testamento. chegamos à Polis Sucos do Leblon, indicada pelo meu querido Ricardo Cima na noite anterior:

"- Palandi, você tem uma missão no Rio. procure a Polis Sucos e peça uma salada de galinha e um suco de maracujá."

dito e feito. cheguei lá e pedi o que o galino da seis recomendou. achei que a salada era mesmo uma salada, mas o que vi foi um sanduíche de frango no estilo desse do Bob's, mas muito mais gostoso. e o que era o suco que vinha a reboque? eu já estava feliz antes dessa refeição, depois dela fiquei... ahn, sei lá. "mais feliz ainda" é pouco. o Ricardo sabe das coisas. da próxima vez que for ao Rio, compro uma camiseta da Polis Sucos para ele.

depois daquilo, ainda circulamos por mais ruas do Leblon e fomos à livraria Argumento, que foi usada numa novela da Globo uns tempos atrás - na novela, ela era do Tony Ramos. era alguma do Manoel Carlos? na alta que devia ser. ele comprou um livro do Gay Talese para a chefe, eu fiquei com vontade de levar um disco do John Coltrane mas declinei. não pela qualidade do disco, mas pela da minha conta bancária. ele queria me levar ainda à Pequena Brasília, um bairro carioca onde a arquitetura dos blocos de apartamentos é absurdamente chupinhada dos blocos brasilienses - e que bem poderia abrigar expats cerradinos como o JP.

voltamos à orla e parámos (olha, acentuação à portuguesa!) para uma água de coco, onde a photo session de onde foi tirada a foto que ilustrou este blógue dia desses. espero voltar ao Rio de Janeiro a cada vez que lançar um livro e tirar uma foto no mesmo estilo, para um dia fazer um fotolog com elas formando uma série - tipo os cachimbos do Magritte. a tarde caía, e aquele lume ia me deixando ainda mais feliz e com a sensação de que sim, em algum lugar do mundo o final do domingo não é um período deprimente.

à noite eu tinha um encontro marcado com o sr. Guilherme Schneider, peixe das antiquíssimas, e é aí que reside a nota triste da viagem: a caminho de nosso esperado meeting, ele foi assaltado e ficou sem a carteira e o telemóvel - salvou-se de coisa pior por ter deitado o cartão do banco em posição estratégica.

soube disso apenas à meia-noite, de volta para casa - antes rolou um filé à Oswaldo Aranha (receita aqui) na companhia do João Paulo. ficamos discutindo relacionamentos e amor em geral, assunto que deveria ser proibido - de certa forma, acho que já é. disse-lhe que ali no Rio, sabe-se lá por que cargas d'água, cheguei à conclusão de que não vale a pena gostar de alguém. o JP respondeu com um breve "total, total", e então falamos sobre quando acreditamos que um dia a pessoa objeto de nossos sentimentos possa mudar de idéia.

de forma geral, não vale a pena acreditar nisso - it just doesn't happen. o problema são os casos isolados, tipo o do casal Johnny Cash e June Carter, conforme eu escrevi naquele poste em francês sobre o filme: quem garante que o meu caso, ou o caso de qualquer outra pessoa, não é assim? não existe uma literatura médica sobre probabilidades de acontecer. é certo que insistência incomoda, dar murro em cabeça de prego dói. mas e o fato de não ter certas respostas, não dói tanto quanto ou ainda mais?

pedimos a conta. entre o pedido e a chegada à nossa mesa, passaram uns seis grupos de pessoas conversando por nós - estávamos do lado de fora do restaurante. passou gente falando francês, holandês, inglês, espanhol. e só um grupo trocando idéinha em português. voltei pro apartamento, falei com o Gui no computador e fui dormir. acordei bem cedinho (amanhece muito cedo no Rio), vesti as calças, dei um abraço no JP e voltei para Brasília, descrente nisso que chamam de amor mas feliz da vida, e com vontade de um dia manter um apartamento no Leblon - quem sabe eu não vire o Hemingway local... me aguardem.