terça-feira, março 21, 2006

notas cariocas, vol. 1
(aviso: esse poste tem elementos ficcionais e reais se misturando)

como já é de conhecimento dos leitores deste blógue, passei o final de semana no Rio de Janeiro, atendendo ao convite feito pelo grande João Paulo Gomes, para que fosse à sua festa de aniversário.

apesar de ter nascido em São Paulo, odiar o estado e me considerar brasiliense, a terra treme embaixo de mim quando vou ao Rio. podem falar da violência, do mau cheiro da Ilha do Governador, do ésse pronunciado como xis... podem falar o que quiser, mas basta passar pela lagoa Rodrigo de Freitas, rumo à zona sul, que meu coração bate mais forte. que eu me sinto como numa pintura do Renoir, como numa balada do Suede, como numa obra de arte qualquer. os paulistas costumam odiar o Rio. talvez seja por isso que eu ache os paulistas tão chatos.

passando pelos túneis e chegando ao Arpoador, aquela sensação de "se eu tivesse feito o colegial aqui, seria ainda mais feliz hoje". não sei explicar, mas se eu pudesse mudar algo no meu passado, teria feito o colegial no Rio e a faculdade em Brasília. teria aprendido a comer tomate seco, bacalhau e mate com limão muito antes, teria lido ainda mais, perdido o medo do meu pai, trabalhado mais, aprendido alemão. e não teria me apaixonado, como explicarei mais pra frente.

saudado pelo JPráxis, não perdemos tempo e fomos à Forneria Fasano, casa dos mestres ítalo-paulistanos para quem quer um lanche rápido. curioso é que me lembro mais do sanduíche dele do que do meu - mas lembro que ambos estavam deliciosos. pegamos um táxi e fomos a Botafogo, onde ele e sua chefe, Malu, alugaram uma casa para dar a festa. enchemos bexigas, fizemos crachás, pichamos faixas e espalhamos cadeiras, dentre outras coisas. ele estava um pouco adoentado, e enrolamos até meia-noite e meia para ir à própria festa. lá chegando, uma surpresa para mim: todos, mesmo o anfitrião, morriam em cinco dólares brasileiros por uma caipirinha. na zorra, paguei por uma de tangerina - um tanto boa, diga-se.

a maior parte dos presentes era de amigos da Malu, que também comemorava seu aniversário, mas havia uma turma boa do João Paulo. umas meninas bonitas (todas comprometidas) e um disc-jockey muito do meia-boca, daqueles que, se tivessem um restaurante, serviriam pizza com gosto de churrasco e churrasco com gosto de pizza.

aí o bicho pegava: ir a uma festa onde só se conhece o anfitrião é uma faca de dois gumes. você pode virar o co-anfitrião, mas pode cair no tédio também... então o jeito é, fingindo-se social, fazer amigos o mais rápido possível - basta pensar nisso como sendo uma questão de sobrevivência, apesar de alguns papos dos novos amigos serem la mort.

depois daquilo, diante da inépcia do tocador de discos, JPaulo disse-me que iria até o espaço onde o esculápio se encontrava, de modos a dar o cateback e assumir o controle da sonorização do ambiente. um pacto de Concórdia fez com que o gajo tocasse só mais quatro e se recolhesse, dando espaço ao meliante do Arpoador... e a mim junto. começamos bem, mandando "Toxic", uma Britney safra 2003, antes de virar a desinteressante mãe de família que hoje ela se tornou. o resultado foi sensacional: dúzias de cachorras se acochambrando no salão, tipo assim "o mundo vai acabar, então vou pagar o último cofrinho da história da humanidade". niiiiiiice.

emendamos "Hey ya!", do Outkast, um princípio do fim. essa música tocou tanto em 2004 que até hoje me dá calafrios. na seqüência, aquela musiquinha da buzininha da J-Lo (não, não é buzanfinha, é buzininha). essa da buzininha é boa, mas aí eu e JPráxis escolhemos "Daft Punk is playing at my house", do LCD Soundsystem, como próxima de nosso eclético cardápio.

okay, é uma puta canção, mas não era a hora dela. pior, ele interrompeu a buzininha na metade e colocou essa. aí já viu... a pista esvaziou. passamos boa parte dos outros vinte minutos tentando recuperar o prestígio e a honra que tal disparate levou longe, mas tava f***. eis que uma lamparina acendeu-se na minha cabeça:

"- JP, só tem uma saída, cara"
"- qual, Palandi?"

desci com a lista do iTunes até "Take me out", do Franz Ferdinand. a teoria era simples: apenas um mês atrás, os escoceses feiosos (pleonasmo?) visitaram o Rio, então a vibe ainda estava lá. ele não aceitou a idéia logo de cara, mas depois de uns cinco minutos, acuado, mandou ver. em dois segundos, nove indies amigos dele, incluindo uma judia peituda, adentraram a pista de dança e puseram-se a rebolar as franjas. arrá!

mas é óbvio que, como Franz Ferdinand é hype e hype dura pouco, a gente não tinha bala na agulha pra segurar a galera... colocar "Do you want me to?" seria suicídio. aí tocamos qualquer besteira e assistimos à pista morrer de novo. nhé. depois de muito deliberar, ele mostrou uma arma secreta: uma mixagem de 31 minutos, assinada pelo Diplo, só de pancadão - mais mortal que H5N1, não? total. o resultado imediato foram lots and lots of hot Brazilian barangas paying cofrinho once again.

por outro lado, meia hora de amansa-corno pré-montado era uma picaretagem suprema, cujo fardo nos pesaria demais. num ato de coragem, JP desmontou a farsa com sete minutos, emendando um outro funk classudo. depois, no entanto, tivemos de voltar ao pop - e as pancadão girls para outras áreas da festa. noutro ato de coragem, ele emendou "Last nite", dos Strokes, com "Bamboleo", do Gipsy Kings. INACREDITÁVEL. e encerrou a performance com uma Maria Bethânia que era puro caô. às quatro da manhã viramos abóbora e voltamos para casa, onde não acompanhamos, em todas as suas emoções, o Grande Prêmio da Malásia de Fórmula 1.

(continua)